Aspectos Históricos da Umbanda - A Raiz Ameríndia

A Raiz Ameríndia

No que se refere à Raiz Ameríndia, nossa história acolheu certas deturpações das crônicas dos Jesuítas e de outros, interessados em deturpar e confundir aquilo que encontraram em matéria religiosa, na mística e na tradição de nossos índios, particularmente os tupy-nambás e os tupy-guaranys.

Nossos índios, especialmente os citados tupy-nambás e os tupy-guaranys, por volta do ano de 1500, não eram povos primitivos que estivessem no início de sua evolução. Essa conclusão errônea por parte dos conquistadores, que aportaram com Cabral (e mesmo os outros, que vieram depois) foi resultado da análise superficial que fizeram, já que, não vieram para o Brasil com intenção de estudar a antiguidade, a cultura, a civilização etc., dos povos que aqui viviam. 

Os tupy-nambás e os tupy-guaranys eram de uma raça muito antiga, com origem de milhões de anos e que estava em franca decadência, no último ciclo de sua raça[1], como assinalou Von Martius[2] e constatado depois, por inúmeras autoridades e estudiosos pesquisadores.

Um povo que, depois de atingir o apogeu de uma cultura e de uma civilização tão adiantadas, semelhantes às dos Maias ou dos Quíchuas[3], entrou em fase de acentuada decadência da raça, todavia, conservando ainda os vestígios positivos de uma avançada civilização.

[1] Toda Raça surge, faz sub-raças, evolui sob todos os aspectos e, depois, entra em decadência, para dar lugar a outra nova Raça. Estes são ensinamentos ocultos que podem ser constatados por fatos históricos.

[2] Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) foi um médico, botânico, antropólogo e um dos mais importantes pesquisadores alemães que estudaram o Brasil, especialmente a região da Amazônia. Ele acreditava que os índios eram os remanescentes de povos "superiores" que teriam construído cidades, monumentos e teriam tido códigos de conduta muito mais "evoluídos".

[3] A cultura quíchua é descendente da Inca e habita principalmente a região andina (Equador, Peru e Bolívia).

Contudo é importante salientar que, embora franca involução racial, não tinham descido à degradação, à miséria física e moral, intencionalmente propalada por aqueles que tentaram apagar essa página da história da humanidade.[4]

[4] Descoberto em Lima, e citado pelo Dr. J.F. Nodal (Gramática da Língua Quíchua, 1872), um documento em que a autoridade que o redigira, depois de reconhecer a maravilhosa civilização dos povos ameríndios, determinou: “por isso os bispos devem cuidar de que todos esses instrumentos perniciosos (as provas da civilização ameríndia) sejam totalmente exterminados”. Essas autoridades atuaram sobre toda a América, incluindo o Brasil, com centenas desses documentos sendo redigidos no mesmo estilo.

Eram asseadíssimos, banhavam-se mais de uma vez por dia e viviam em ocas arejadas e muito limpas. Tinham códigos morais rígidos, assim, a calúnia, a mentira, o furto, o assassínio, o adultério, a covardia e a embriagues eram severamente punidos. A deslealdade e a traição eram consideradas atos abomináveis.

A transcendência de suas concepções, sua mística, enfim, sua Teogonia, eram de grande pureza e elevação, prova de que já tinham alcançado uma forte maturação espiritual.

E as provas dessa herança de civilização avançada foram encontradas nos conhecimentos esotéricos; na colocação da força mental em plano superior à força física, como relatam suas lendas; nos exemplares de sua arte; nas inscrições dos rochedos de todo o território nacional; nas alusões à sabedoria dos velhos – a Tuyabaé-Cuaá a que se referiram os próprios jesuítas e, principalmente, à sua língua – o Nheengatu[5], o idioma sagrado, a língua boa, incontestavelmente um idioma polissilábico.

[5] O Nheengatu – o idioma sagrado dos Tupy-nambá, dos Tupy-guarany – revela claramente, em sua morfologia, em seus fonemas, no seu estilo metafórico etc., ter sido uma língua raiz, polida, trabalhada através de milênios. Foi tão bem trabalhada essa língua polissilábica, que se presta às mais elevadas variações ou interpretações poéticas. Dela derivaram diversos idiomas, também considerados antiqüíssimos.

Exemplo de texto em nheengatú, retirado da Grammatica da língua brasileira: (Brasílica, Tupy, ou Nheengatu) de Pedro Luis Simpson, publicada em 1876

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Concepção Religiosa dos Indígenas

Acreditavam na existência e imortalidade do Espírito (Anga). Tinham conhecimentos esotéricos e praticavam os Mistérios Sagrados (Tuyabaé-Cuaá) e os Mistérios Solares (Guaracy) da mesma maneira que os povos mais cultos e civilizados da Antiguidade.

Seus payé conheciam a sugestão, o magnetismo, o hipnotismo, a magia e a interpretação dos sonhos. Curavam à distância por processos telepáticos.

Recitavam mantras em cadência rítmica em seus cantos e danças devocionais, quando caíam em transe. Conheciam os efeitos de certas bebidas, defumadores e das inalações em que eram queimadas folhas, sementes, resinas e madeiras, cujo perfume causava letargias, delírios e sonhos que lhes facultavam a predição do futuro.

Adotavam práticas e processos secretos que lhes permitiam a exteriorização consciente e voluntária do corpo astral e a ascensão ao plano astral, fenômeno que provocavam de vários modos.

Existem vocábulos em seu idioma, que confirmam essas assertivas, além de suas crenças e ritos, sua teogonia, suas lendas e mitos, bem como, em seu folclore.

Os tupy-nambá e os tupy-guarany eram, sobretudo, um povo monoteísta. Adoravam a um Deus-Supremo sobre todas as coisas, a quem chamavam com muita veneração de TUPAN ou TUPÃ.

TUPAN

TU (ruído, estrondo resultante de uma queda, barulho, pancada);

PAN (significa ou exprime o som, o estrondo, o ruído feito por alguém que bate, que trabalha, que malha etc).

TUPAN era, portanto, o Supremo Manipulador, isto é, Aquele que manipula a natureza ou os elementos. É o divino Ferreiro que bate incessantemente na Bigorna Cósmica. Era considerado, sem dúvida alguma, o Supremo Poder Criador.

Adoravam a GUARACY, YACY e RUDÁ (ou Perudá), como a tríplice manifestação do poder de TUPAN. Eram atributos externos.

GUARACY (o Sol)

Guará (ser vivo, vivente);

cy (mãe, raiz, fonte, causa ou princípio).

Pai ou mãe dos viventes no sentido correto de que o Sol era (e é) o princípio vital que animava todas as coisas da natureza, o mesmo que a luz que criava a vida animal, etc. Guaracy era a representação visível, física, do Poder Criador que, através dele, criava nos elementos da própria natureza, as coisas, os seres etc. Enfim, era o elemento ígneo – o pai da natureza.

Diziam que de Guaracy, saía tatauy (as flechas de fogo de Tupan, os raios do céu) que se transformavam em tupacynynga (o trovão). Por causa disso é que houve uma interpretação errônea de Tupan como sendo, puramente, o deus do trovão.

YACY (a Lua)

Ya (planta);

cy (mãe ou progenitora).

Yacy era a mãe dos vegetais ou ainda a mãe natura.

RUDÁ ou PERUDÁ (o deus do amor e da reprodução). Rudá era evocado pelas cunhãs (mulheres), em suas saudades, em seus amores, pelos guerreiros ausentes, para que eles só tivessem pensamentos e coração para recordá-las.

E ainda dentro desse conceito teogônico tríplice, os payé (sacerdotes) ensinavam que, Guaracy representava o Eterno masculino, o princípio vital positivo, quente, de todas as coisas. E Rudá era o intermediário, isto é, o amor que unia os dois princípios na “criação da natureza”.

O Culto de Muyrakytan

Muyrakytan era uma divindade de um culto antiqüíssimo, pré-histórico, professado pelos primitivos e mais antigo habitantes do Brasil.

Termo oriundo de uma língua matriz, o ABANHENGA, que surgiu com a primeira raça que nasceu na região de brazilian[6].

MUYRAKITAN ou MURAYRAKITAN

mura (mar, água);

yara (senhora, deusa);

kitan (botão de flor).

Portanto, Deusa que floriu das águas, Senhora que nasceu do mar, Deusa ou Senhora do mar.

Veneravam esta Divindade, a quem prestavam um culto todo especial. Acreditavam em seus poderes mágicos e terapêuticos, através da itaobymbaé (pedra verde) – espécie de argila de cor verde, uma substância nativa, colhida no fundo de certos lagos, a qual transformavam em poderosos amuletos sagrados, que adquiriam a forma de um disco.

Os itaobymbaé só podiam ser colhidos e preparados pelas ikannyabas, as cUnhãtay, moças virgens que eram votadas, desde a infância, como sacerdotisas do culto de MUYRAKITAN, o qual era vedado aos homens. Posteriormente, isto é, no período da decadência, se transformou no culto de Yurema, conhecido na adaptação do elemento branco como o “adjunto da Jurema”.

Essas sacerdotisas eram as únicas criaturas entre os tupy-guarany que tinham o privilégio de conhecer os lugares onde existiam as jazidas da misteriosa pedra verde e só elas sabiam e podiam preparar esses talismãs.

Para o preparo dos amuletos sagrados, esperavam sempre que YACY, a lua, estivesse cheia, estendendo a sua luz sobre as águas do lago escolhido pelas ikannyabas, dentro de uma severa preparação ritualística e mágica, para ele se dirigiam, no silêncio das noites. Esse preceito implicava na passagem da árvore da YUREMA verdadeira, onde invocavam ou imantavam os fluídos magnéticos da lua, através de cânticos e palavras especiais sobre determinado número de folhas, para serem mastigadas por elas, na ocasião de mergulharem no lago.

Assim, enquanto algumas dessas ikannyabas mergulhavam, as outras ficavam entoando certos cantos doces, melancólicos e rítmicos acompanhados do termo mágico ma-ca-uam.

Quando uma ou outra emergia com a substância maleável – a argila verde – as outras a colocavam em pequeninas formas, já com o formato de um disco, com um orifício no centro.

Depois de recolhida a quantidade necessária, todas ficavam à beira das águas em cerimônia especial, uma espécie de encantação mágica, toda dedicada às forças da águas – a Muyrakitan, até que Guaracy, o Sol, começasse a nascer, a fim de endurecer com seus raios de luz a dita substância, para ficar como o itaobymbaé. Esses talismãs tomavam uma consistência tão rija, que nada mais poderia ser feito ou talhado sobre eles.

Esses amuletos de Muyrakitan eram verdes, ora mais claros, ora mais escuros, mais azulados ou mais amarelados e os mais preciosos eram os que se apresentavam com veios brancos. Todos eram de uso exclusivamente feminino e usados na orelha esquerda das cunhãs ou mulheres.

Esse pequeno disco de nefrita perfurado no centro, representava o sexo feminino, a parte exterior do aparelho genital da mulher, bem como, o emblema sagrado e divino do disco lunar.

O seu equivalente para os homens era o TEMBETÁ, um talismã de nefrita verde, em forma de T, que os índios traziam pendente no lábio inferior, através de uma perfuração. Era um símbolo fálico e representava o Poder Criador, o Princípio Fecundante, o Eterno Masculino.

TEMBETÁ, se originou de Tembaeitá.

ou T (o signo divino, gravado nas pedras sagradas, da cruz - de curuçá);

mbaé (objeto);

ita (pedra).

Pode ser interpretado corretamente assim: cruz feita de pedra (em sentido sagrado).

O tembetá era um talismã de Guaracy – o Sol – preparado pelos payé ou pelos karayba, para que imantasse o raio, o fogo do céu, enfim, a energia solar. Era o símbolo mágico do “deus-sol”. Também preparavam outros amuletos que tomavam a designação de Itapossangas, inclusive os que eram feitos ou recebiam a força de YARA – mãe d’água.

A muyrakitan e o tembetá juntos representavam a força mágica de TUPAN – o Deus ÚNICO.

[6] A antiguidade do Brasil – e das Américas – os brasis, o brazilian dos primitivos morubixabas, foi retratada na história de forma adulterada, conforme se comprova nas pesquisas de reconhecidas autoridades, teólogos e cientistas internacionais, como: Peter Lund, Ameghino, Pedberg, Gerber, Hartt, H. Girgois, Alfredo Brandão, Domingos Magarinos e outros. Através de toda essa literatura, científica e histórica, se comprova que a primeira região a emergir das águas oceânicas – foi o Brasil, o mais antigo continente do nosso planeta; que a escrita mais antiga de toda a humanidade tem sua origem na primeira raça que surgiu na primeira região do planeta Terra, que adquiriu as condições climatéricas para isso – o Planalto Central do Brasil.

O Tuyabaé-cuáá - a sabedoria dos velhos payé

Tuyabaé-cuáá, a sabedoria dos velhos payé, era a tradição mais oculta, conservada através de milênios, de payé a payé, ou seja, de mago a mago.

O PAYÉ era o mago mais elevado, dentro da tribo. Conhecia profundamente a magia, praticava o magnetismo, o hipnotismo, a sugestão e, sobretudo, era mestre no uso dos mantras[8]. O Karayba não tinha a categoria de um payé; era tratado mais como feiticeiro, isto é, aquele que se dava às práticas de fundo negro etc. Posteriormente, confundiram um com o outro.

O Tuyabaé-cuáá conjugava todos os conhecimentos mágicos, fenomênicos, espiríticos, ritualísticos, religiosos e terapêuticos (o caa-yaari).

A tradição, os ensinamentos, as práticas mágicas, terapêuticas, o mistério das plantas na cura, a interpretação misteriosa sobre as aves, tudo isso era tuyabaé-cuaá.

Todo movimento espiritual, mágico ou de fenômenos astrais que pudesse afetar a vida da tribo era coordenado pelo payé, que influenciava diretamente o morubixaba, que, como chefe da tribo, praticamente nada fazia sem consultar o payé, que por sua vez também ouvia os anciões.

Esses velhos magos da sabedoria – os payé, (ou pajés, como se grafou depois) conheciam o mito solar, através dos Mistérios Solares (simbolizados no Cristo Cósmico), tanto é que jamais se apagou dos ensinamentos dessa tradição remotíssima o legado de seus antepassados sobre YURU-PITÃ, SUMAN e YURUPARY[9].

Vamos entender melhor sobre isso...

Reza a tradição que, num passado longínquo, surgiu, no seio da raça tupy, iluminada pelo “deus-sol” uma criança loira, que disse ter sido enviada por Tupan. Essa criança que recebeu o nome de YUPITAN, cresceu um pouco entre eles e um belo dia, também iluminada pelo sol, desapareceu. Falava e ensinava coisas maravilhosas e revelou que noutra época viria SUMAN e depois YURUPARY.

Realmente o termo Yupitan tem um significado profundo:

YUPITAN

YU (loiro, dourado);

pitan (criança, menino).

Significava, na antiguíssima língua matriz, o abanhenga, criança ou menino loiro iluminado pelo sol.

Davam-lhe também o nome de ARAPITÃ

ara (luz, esplendor);

pitã (criança, menino).

Significava o filho iluminado de Aracy

Ara (luz);

cy (mãe ou progenitora, origem etc.)

Muito depois de terem passado algumas gerações, reza a tradição que, vindo do lado do Oriente, aparece um velho de barbas brancas, entre os tupy-nambá, dizendo-se chamar SUMAN (ou SUMÉ), que passou a ensinar a lei Divina e muitas outras coisas, de grande utilidade. Ele dizia, também, que foi Tupan que o tinha mandado. SUMAN também, certo dia, se despediu de todos e pôs-se a caminhar para o lado do Oriente até desaparecer, deixando entre os payé todo o segredo do tuyabaé-cuaá e assim ficou lembrado como o “pai da sabedoria”.

Entre os tupis-guaranis, também foi constatada a tradição viva, positiva, sobre YURUPARY – o seu Messias (possivelmente, uma das encarnações do Cristo Planetário).

Yurupary

yuru (pescoço, colo, garganta ou boca);

pary (fechado, apertado, tapado).

Significa o mártir, o torturado, o sofredor, o agonizante.

YURUPARY, na teogonia ameríndia, foi o filho da virgem Chiúcy.

Chiúcy

Chiú (pranto);

cy (mãe).

Portanto, a mãe do pranto, a máter dolorosa que viu seu filho querido ser sacrificado porque pregava o amor, a renúncia, a igualdade e a caridade (tal e qual JESUS). [10]

YURUPARY foi, portanto, entre os tupy-guaranis, um MESSIAS e não o que os jesuítas daqueles tempos interpretaram – o diabo[4]. Tanto é que se perde no passado de sua remotíssima tradição esse tema de um Messias, da cruz e de seu martírio. Por isso é que veneravam a Curuçá.

Curuçá – a cruz

curu (fragmento de pau ou de pedra);

çá (gritar ou produzir qualquer som estridente).

Curuçá em sentido místico significa cruz sagrada, porque recebeu o sofrimento, o grito do agonizante, a agonia do mártir.

Em certas cerimônias, os payé, depois de produzirem o fogo atritando dois pedaços de pau, os cruzava (para formar uma cruz) para simbolizar o Poder Criador – o FOGO SAGRADO.

E foi por causa disso, desse conceito, desse conhecimento, que os índios receberam com alegria, como amigos e irmãos, aos portugueses de Cabral, porque nas velas de suas naus estavam desenhada uma espécie de cruz. Pensaram que – segundo uma antiga profecia – eles vinham para ajudá-los... e como se enganaram...

Os payé quando queriam simbolizar a eterna verdade sobre aquele enviado de Tupã, que entre eles veio como Yurupary, exemplificavam este mistério, tomando de uma flor de mborucuyá...

Mborucuyá (maracuyá ou maracujá) revela em sua flor a coisa sagrada; ela obedece Guaracy – o Sol – que é filho de Tupã. Quando ele nasce, ela vive, se abre e mostra seus mistérios e quando ele morre, se esconde (no ocaso), ela se enluta, se fecha. [11]

Ensinam que a flor do maracuyá guarda a paixão, o martírio de Yurupary; ela tem os cravos, a coroa, os açoites, a coluna e as chagas. E assim, reavivava na lembrança todos os conselhos de seu Messias, de seu reformador – o filho da virgem Chiúcy.

O próprio termo mborucuyá diz tudo em seu significado:

mboru (tortura, sofrimento, martírio);

cuyá (o mesmo que cunhã, mulher).

Significa martírio da mulher.

Conhecedores da magia, praticavam também todas as modalidades mediúnicas e quando queriam que as mulheres que tinham um dom, profetizassem, isto é, caíssem em transe mediúnico, primeiro envolviam-nas em defumações especiais de plantas escolhidas, depois emitiam um mantra próprio para as exteriorizações do corpo astral – o termo ma-ca-aum, dentro de vocalizações especiais e rítmicas. Logo, aplicavam sobre suas frontes o mbaracá. Elas caíam como mortas, eles diziam palavras misteriosas e elas se levantavam, passando a profetizar com o Rá-anga – os espíritos de luz.

[7] Atualmente nenhuma Escola conhece mais o segredo dos mantras. Apenas, dentro dos mais altos graus, ensinam certas vocalizações simples com vogais, doutrinando que “mantras são vocalizações especiais que se imprimem às palavras, num cântico”. Todavia, isso não resolve nada, em matéria de magia, na movimentação da força dos elementais. Os Caboclos de Umbanda ensinam que mantras são vocalizações especiais que se imprimem sobre certos termos, isto é, sobre palavras especiais.

[8] Yurupary foi chamado pelos jesuítas de “Jurupari”, termo incorreto já que no nheen-gatú não existe a letra J. 

[9] Esse arcano aparece de norte a sul em várias coletâneas brasileiras.

[10] Tal e qual fez com os africanos, a Igreja também quis fazer assimilações entre os nossos índios com seus “santos”. Os jesuítas fizeram uma tremenda força, para “identificar” Suman ou Sumé com o “Santo Thomé ou Tomé”, deles. Mas não “pegou” de jeito algum... Sobre a Tradição de Yurupary, o Cel. Sousa Brasil no tomo 100 do vol. 154 da Revista do Instituto Histórico – 2º, de 1926, dá testemunho irrefutável dessa venerada tradição que ainda encontrou entre os nossos índios.

[11] A ciência denomina Heliotropismo os movimentos de plantas ou animais, ou de alguns dos seus órgãos em direção ao sol. É a resposta de um organismo a uma fonte de luz.

O Mbaracá ou maracá

O mbaracá era uma espécie de chocalho, manipulado do fruto conhecido como cabaceira (cucurbita lagenaria) e dentro dessa cabaça, eram colocadas certas pedrinhas ou seixos. Essas pedrinhas eram amuletos ou itapossangas especiais, inclusive o itaobymbaé, bem como o tembetá.

O mbaracá era um instrumento que produzia ruídos ou sons especiais. Ele falava, respondia, sob a ação mágica dos payé. Instrumento dotado de um poder magnético, era, positivamente, um canal mediúnico.

O preparo do mbaracá era feito sob as forças da magia dos astros. Tanto empregavam esse mbaracá para os efeitos mágicos, como para os fenômenos mediúnicos ou para fins hipnóticos, ativando o ardor dos guerreiros, no combate.

Jamais explicaram ao branco, como procediam para comunicar esses poderes ao mbaracá, em suas cerimônias de bênção, batismo, e imantação, embora tenha testemunhado essas cerimônias e esses poderes, Hans Standen, um alemão que foi aprisionado pelos tupy-nambá, durante muitos anos e que pôde assistir a esses fenômenos produzidos pelos payé.

Outra testemunha também presenciou os poderes mágicos de um karayba e esse foi o padre Simão de Vasconcellos, que relata no livro II das Crônicas da Companhia de Jesus do Estado do Brasil o caso da clava sangrenta. Disse ele:  “um tal carahyba fixou duas forquilhas no chão, a elas amarrou uma clava enfeitada de diversas penas e depois lhe andou em torno, dançando e gesticulando num cerimonial estranho, soprando e dizendo-lhes frases. Logo depois desse cerimonial, a clava desprendeu-se dos laços e foi levada pelos ares, até desaparecer no horizonte, voltando depois, pelo mesmo caminho, à vista de todos, visando colocar-se entre as forquilhas, notando-se que estava cheia de sangue”.

Na terapêutica eram mestres na arte de curar qualquer doença – muitas das quais, a medicina oficial tem considerado incuráveis – pelo emprego das plantas, ervas ou raízes. Ao segredo mágico e astral de preparar as plantas curativas, denominavam de caa-yary.

Caa-yary também era o espírito protetor das plantas medicinais e aquele que se voltava a ele, na arte de curar, não podia nem ter relações com mulher, tal o formidável compromisso que assumia.

Os payé faziam constantemente uma espécie de sessão para fins mediúnicos, quando evocavam Rá-Anga – os espíritos da luz – a qual denominavam GUAYÚ, que se processava sob cânticos e danças rítmicas. Essa cerimônia Guayú era sempre feita, para tirar guayupiá – a feitiçaria, de alguém.

Antes desse ritual mediúnico, tinham um particular cuidado no preparo dos timbó a serem usados, isto é, faziam os defumadores propiciatórios para afastar ANHANGÁ, que era o espírito das almas penadas, atrasadas. 

A influência do branco na religiosidade Ameríndia  

Quando Portugal iniciou a colonização do Brasil, trouxe a religião oficial: o catolicismo. A igreja católica, naquele momento, perdia adeptos para as religiões protestantes que se formavam na Europa, portanto, a conversão dos habitantes do Novo Mundo representava importante oportunidade para a Igreja estender sua área de influencia. 

Com o crescente potencial econômico gerado pelo cultivo da cana de açúcar, a metrópole portuguesa, visando exercer um controle político mais intenso sobre o território, instalou o Governo Geral em 1549 na Bahia, fundando a cidade de Salvador. Foi neste período que chegaram as primeiras missões jesuíticas a fim de domesticar os índios, visando atender aos interesses da produção açucareira, tendo em vista que a lavoura exigia grandes contingentes de trabalhadores.  

A mão-de-obra indígena, contudo, não se adaptava ao trabalho cotidiano e foi substituída pela de origem africana. Portugal era especializado no trafico negreiro e não teve dificuldades de abastecer a colônia com escravos.  

A presença portuguesa nos primeiros tempos da colonização representou um verdadeiro genocídio contra a população ameríndia. Uma população estimada em cinco milhões de nativos, em 1500, foi reduzia a 200 mil indivíduos. Tribos foram totalmente dizimadas, como a dos Tupinambás, que habitavam no litoral brasileiro.[12] Os que não foram mortos, acabaram escravizados e convertidos a Fe Católica.

Todavia, os grupos indígenas não abandonaram totalmente as crenças tradicionais, não deixaram de acreditar nos próprios deuses, de cultuar os espíritos das florestas ou de reverenciar os ancestrais da tribo.

Idioma Tupy 

  • Aba = pena ou pêlo
  • Abaiuba = pena amarela
  • Abanheenga = língua boa (referente ao primitivo Tupi)
  • Abaré = sacerdote
  • Abaré –mirim = pequeno sacerdote
  • Abaré-guaçu = grande sacerdote
  • Araçaí = luz irradiada
  • Caruamã = cara vermelha
  • Guará = luz que vive
  • Itá = pedra
  • Ka’a = mata, floresta
  • Ngatu ou gatu = boa
  • Piratinga = peixe branco
  • Piraúba = pai dos peixes
  • Potyra = flor
  • Tacuigi = pedra da matriz da cachoeira
  • Tinga = branco(a), daí itatinga ser pedra branca
  • Tupã-T-ayra = Messias (Filho de Deus)
  • Tupayba = fruto de tupã
  • Ubatinga = flecha branca
  • Upaba = lago
  • Ypiranga ou Ipiranga = rio vermelho
  • Ybaca = céu
  • Ybyrá = árvore
  • Ybytyra = montanha

Obs: Todas as imagens de indígenas que ilustram os textos referente “A Raiz Ameríndia” são do artista Filipe Nery.

O Pai-Nosso em Tupi Antigo

(Versão do Padre Antonio de Araújo, 1618)

Oré rub, ybakype tekoar,

Nosso Pai, o que está no céu,
i moetepyramo nde rera t'oîkó.

Como o que é louvado teu nome esteja
T'our nde Reino!

Que venha teu Reino!
T’onhemonhang nde remimotara

Que se faça tua vontade
ybype

na terra,
Ybakype i nhemonhanga îabé!

Como o fazer-se dela no céu!
Oré remi'u, 'ara-îabi'õndûara,

Nossa comida, a que é de cada dia
eîme'eng kori orébe.

dá hoje para nós
Nde nhyrõ oré angaîpaba resé orébe,

Perdoa tu nossos pecados a nós.
oré rerekomemûãsara supé

como aos que nos tratam mal
oré nhyrõ îabé.

nós perdoamos
Oré mo'arukar ume îepé tentação pupé,

Não nos deixes tu fazer cair em tentação,
oré pysyrõ-te îepé mba'e-a'iba suí.

mas livra-nos tu das coisas más

[12] Ver Umbanda Paz, Liberdade e Cura, de Jose Luiz Ligiero e Dandara, editora Nova.

 

Pesquisa: Graça Costa (Yacyamara) - TUCAT 

Fontes Bibliográficas:

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